ARREPENDIMENTO,
TRISTEZA, OPORTUNIDADES E CONQUISTAS FAZEM PARTE DA HISTÓRIA DE MENINOS E
MENINAS QUE DESEJAM SAIR DO MUNDO DA VIOLÊNCIA
Peças de artesanato feitas pelos internos: novas perspectivas para redesenhar a vida |
Por Fausta Goiama dos Santos Silva, Janaína
dos Santos Cunha e Valéria Cristina Rodrigues da Silva
Segundo dados da Delegacia do
Adolescente Infrator de Imperatriz, foram registradas, em 2016, 168 ocorrências
de atos infracionais, sendo 147 realizados por meninos e 21 por meninas. Roubo,
ameaça e tráfico de drogas estão entre os atos predominantes, tendo ainda nove
ocorrências por homicídios e uma de latrocínio. Além de serem apreendidos,
esses jovens tiveram outra condição em comum: a chance de repensar o passado e
construir um futuro através do processo de ressocialização nas unidades da
Fundação da Criança e do Adolescente no Maranhão (Funac).
Segundo
dados da Delegacia do Adolescente Infrator de Imperatriz, foram registradas, em
2016, 168 ocorrências de atos infracionais, sendo 147 realizados por meninos e
21 por meninas. Roubo, ameaça e tráfico de drogas estão entre os atos
predominantes, tendo ainda nove ocorrências por homicídios e uma de latrocínio.
Além de serem apreendidos, esses jovens tiveram outra condição em comum: a
chance de repensar o passado e construir um futuro através do processo de
ressocialização nas unidades da Fundação da Criança e do Adolescente no
Maranhão (Funac).
“São adolescentes que estão ligados ao tráfico de drogas. Às vezes é o
assalto à mão armada com grave ameaça. Muito deles não tiveram e nem tem um
acompanhamento familiar. Não tem pai, só tem mãe, às vezes nem o pai nem a
mãe. É órfão, criado pela avó ou pela tia. Enfim, não tem uma referência de pai
nem tão pouco de mãe. A família é completamente desestruturada”, afirma o
diretor do Centro de Juventude Cidadã – Semiliberdade, Francisco Paixão Filho.
Após ser autuado por um ato infracional, o adolescente receberá umas das
seis medidas socioeducativas previstas pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) para a ressocialização dele: advertência; obrigação de
reparar o dano; prestação de serviço à comunidade; liberdade assistida;
semiliberdade ou internação em estabelecimento socioeducativo. As medidas
variam de acordo com a gravidade do ato e, de maneira geral, buscam orientar e
apoiar o adolescente em conflito com a lei, com o objetivo de reintegrá-lo à
vida familiar e comunitária.
O QUE É A RESSOCIALIZAÇÃO?
Imperatriz dispõe de três unidades da Funac para a ressocialização do
adolescente infrator: Centro de Juventude Semear – internação provisória;
Centro de Juventude Cidadã – Semiliberdade; Centro de internação. Diariamente
cerca de 60 adolescentes estão em processo de reeducação, distribuídos nessas
três unidades.
O processo de ressocialização é iniciado a partir da aplicação das
medidas socioeducativas sentenciadas pelo juiz. Em casos de semiliberdade e
internação, as unidades nas quais os adolescentes são encaminhados possuem
rotinas pedagógicas, dispondo de uma equipe profissional formada por psicólogo,
assistente social, pedagoga e advogado. Além disso, as unidades fornecem
acompanhamento médico ao adolescente que apresenta problema de saúde. Para os
que não estão estudando, são feitas matrículas em escolas estaduais ou
municipais, alguns são matriculados no EJAI (Educação de Jovens, Adultos e
Idosos). As instituições oferecem ainda cursos profissionalizantes para os
jovens.
O diretor da Funac – unidade provisória, José Fabiano Silva, explica a
rotina pedagógica dos socioeducandos. “Temos um leque de atividades: reforço
escolar, laboratório de informática e um instrutor especializado para dar aula,
oficina de pintura em tela, atividades artesanais. Além disso, temos atividades
esportivas: futebol na quadra e a área de lazer com ping pong”.
A REEDUCAÇÃO FUNCIONA?
Francisco Paixão filho, diretor da unidade de semiliberdade, afirma que
é através desse sistema que cerca de 70% dos adolescentes que passam pela
unidade não voltam a praticar os mesmos atos infracionais. Ele ressalta que as
políticas públicas são de fundamental importância para que haja um resultado
ainda mais positivo para a recuperação dos socioeducandos.
Deurilene Alves Mesquita, especialista em Direitos Humanos, compartilha
da mesma opinião do diretor Francisco Paixão Filho, em relação às políticas públicas
para a efetivação da reeducação do adolescente infrator, “Quando a lei é
aplicada na sua integridade de fato ela funciona e se todos os atores
cumprissem seus papéis”. Na sua avaliação, as políticas públicas, juntamente
com a família e a própria sociedade, são elementos importantes para a
efetivação desse processo. Ela observa que, em muitas vezes, a família acaba
colaborando para que o adolescente volte para o centro de internação. “A
família tem sido omissa na participação, mas a gente tem feito um trabalho
efetivo em cima dessa conscientização, com palestras, visitas domiciliares e
com intimações judiciais para essa família participar do processo”.
Para o diretor do Centro de Juventude Semear, José Fabiano Silva, é
preciso ainda, haver uma participação da sociedade para facilitar a
reintegração desse adolescente. “O menor infrator que hoje estar aqui, não saiu
daqui para a sociedade. Ele veio da sociedade para essa unidade. Não veio de
outro mundo, outro planeta, ele saiu da própria sociedade. A sociedade, muitas
vezes, ignora, xinga ou critica os jovens que aqui estão, mas eles estavam na
sociedade e foi lá que eles foram formados”, analisa.
O
ARREPENDIMENTO
Entre abraços e recomeços: o apoio da família é fundamental |
Paty
(nome fictício)*, de 12 anos, conta que foi apreendida por tentativa de
homicídio, em agosto do ano passado. A infração foi cometida na escola em que
estudava. Segundo a menina, o ato foi cometido em um momento da raiva, pois, a
adolescente que sofreu a agressão a estaria provocando há muito tempo. Rita
B.S. avó materna de Paty* afirmou que a neta havia deixado de ir à escola uma
semana antes, pois estava sendo ameaçada pela vítima. Depois de apreendida, a
adolescente ficou reclusa por 45 dias no Centro da Juventude Semear, de internação
provisória.
Paty* afirma que a ressocialização trouxe para ela a possibilidade de
refletir sobre o ato que cometeu. O que mais deseja principalmente é evitar
outros atos infracionais. Para a adolescente, ficar trancada em uma cela e
longe da família foi a pior parte do processo.
Sobre o apoio familiar, a adolescente afirma que a visita dos parentes
foi fundamental enquanto cumpriu a medida. “Em todos os dias de visita minha
mãe estava lá, minha avó e, às vezes, meus irmãos. Eles me ajudaram tanto. Percebi
que ficamos mais unidos”, comenta.
A mãe da jovem Ana C.S.N. afirmou ser inexplicável a dor de ver uma
filha sendo privada de liberdade. “Nenhuma mãe quer isso para um filho e, de
uma hora, para outra acontece. Mas estamos junto com ela, percebemos que já
mudou bastante. Ela está pagando pelo ato que cometeu, estamos ajudando. Não
queremos que ela volte para lá outra vez”. Em relação ao processo de
ressocialização, a mãe afirma que isso pode ajudar sim os adolescentes que
querem mudar e evitar novos erros.
SUPERAÇÃO
A história de Paulo* não é diferente de muitos outros adolescentes que,
no auge da sua juventude, conhecem pessoas que prometem uma vida cheia de
facilidades e emoções. Mas, com o desenrolar da história, o que acontece não é
bem diversão e sim decepção.
Em 2008, o então adolescente tinha 17 anos e foi apreendido por
homicídio qualificado. Paulo* foi para uma das unidades de Funac. Ele explica
que a situação foi resultado das más amizades com quem andava na época. O jovem
esclarece que não foi o autor do ato, mas, como estava junto, também foi
penalizado.
Durante o período que esteve cumprindo a medida socioeducativa, Paulo*
diz que foi orientado e recebeu apoio da instituição para conseguir se tornar
quem ele é hoje. “Fiquei nos Três Poderes, na Semear. Depois fui para a
semiliberdade e fui vendo que a oportunidade aconteceria. Ganhei um curso de
computação oferecido pela instituição, com o básico e o avançado. Depois ganhei
também uma viagem para São Luís, quando eu fazia pinturas de arte”, relembra.
Para o jovem, o processo de ressocialização funciona, mas também depende
da vontade do adolescente em querer mudar. Ele ressalta que tudo que aprendeu
na instituição foi fundamental para o seu desenvolvimento profissional.
”Como eu queria ser outra pessoa, fui observando as coisas melhores. Eu saia
para trabalhar, fazia os cursos, ganhava viagens. Então, isso vai incentivando,
faz a gente querer avançar”.
Ao falar da família Paulo* se emociona, conta que recebeu ajuda da mãe
e, em especial, de sua irmã mais velha. Lembra que esse incentivo foi essencial
para superar os desafios que enfrentou. “Você vai conhecendo gente no trabalho,
vendo pessoas fazerem o que é correto. Quer uma casa boa? Uma moto boa?
Trabalha e conquista. Hoje eu tenho minha casa, minha moto. Tudo fruto do
trabalho, não tem nada de coisa errada”, explica.
*Paty
e Paulo são nomes fictícios para resguardar a identidade dos jovens
entrevistados e de suas famílias